O futuro das escolas no mundo digital (III)
Na nossa primeira nota desta série, trabalhamos em possíveis cenários e futuros para as escolas. Esta nota enfoca o papel das escolas como mediadores culturais no contexto contemporâneo, no âmbito desses cenários e desses exercícios prospectivos.
Ao fazer uma pesquisa das futuras opções para as escolas, estamos inclinados a uma alternativa que é ao mesmo tempo um compromisso de construir coletivamente: em nossa perspectiva, uma visão de uma escola renovada com o tecnológico, transmissor de legados culturais poderosos, em que os novos dispositivos permitem, aumentam e ampliam as possibilidades de aprendizado.
Apresentamos algo que poderia ser chamado de uma mistura de leitura dos cenários, de nossos desejos, que contêm um compromisso com a construção de instituições que possam responder aos desafios de seu tempo.
Transformações Necessárias
Esta aposta feita como um compromisso envolve uma série de transformações e uma nova reflexão profunda do seu papel no mundo em que vivemos, bem como um reconhecimento de que os formatos configurados em um ambiente não dão respostas concluídas e satisfatórias quando outro está sendo configurado.
As transformações necessárias assumem a partir da trajetória, de uma jornada, uma experiência das escolas. Nada é criado a partir do nada. As culturas institucionais não são apagadas por um ato de vontade. As tradições pedagógicas, as rotinas, os ritos não podem ser suprimidos de um dia para o outro.
As transformações necessárias envolvem uma contextualização, um posicionamento e um diálogo ativo com o espaço próximo, no reconhecimento das características econômicas, sociais e culturais da população com a qual interage. E deve-se dizer que, durante muito tempo, as escolas estavam mais atentas à transmissão de seu programa institucional do que olhar para o entorno e se enriquecer no diálogo com seus atores.
As transformações necessárias implicam uma mudança no modelo de mediação cultural. As escolas desempenharam na modernidade um papel como mediadores culturais que transmitem os códigos civilizatórios do padrão urbano – alfabetizado – industrial. Eles responderam plenamente à transmissão da alfabetização clássica. No contexto atual, embora esse papel mediador não tenha desaparecido, são impostas novas tarefas e desafios, novas alfabetizações. Ao clássico são adicionadas as derivadas das necessidades e demandas do século XX relacionadas ao treinamento para o trabalho e o desempenho do cidadão, à medida que avançamos no século XXI, o imperativo da formação digital e audiovisual e um conhecimento reflexivo sobre a tecnologia e as transformações e os desafios do planeta.
De uma trajetória supõe-se saber ler a história institucional, os sinais distintivos de uma identidade, as formas determinantes da “performance ritual” que é a escola, não para se manter na repetição, mas para elevar as “rupturas acordadas” que inovam, mudando padrões para adaptá-los aos novos contextos.
Dialogar com o contexto
Se situar, dialogar com os contextos, também envolve o estabelecimento de uma distância crítica, uma função de filtro, uma seleção em relação às tendências e questões do tempo. Nesse nível, a escola pode desempenhar um papel “contra-cultural”, uma vez que as características dominantes das sociedades atuais são caracterizadas pela velocidade, entretenimento e a abordagem superficial de muitos temas. A partir dos dados, elementos ou questões da “escola externa” envolve analisá-los, discutindo-os, colocando-os em outros contextos de trabalho e reflexão. Isso implica gerar um processo de transmissão baseado na reflexividade, com um tempo de detenção, um longo pensamento, nos processos de argumentação e troca, com aproximações sucessivas, que avaliam as explicações que são dadas sobre o mundo.
Este vínculo entre a escola externa / interna através da identificação de questões significativas e sua problematização requer uma cultura institucional aberta e crítica; permeável e com discernimento; diálogo e com sua própria identidade. Devemos superar o modelo de uma escola fechada, que ainda é pensada como um templo inabalável do conhecimento, com uma lógica reduzida a certos conteúdos tradicionais. Isso não pode ser o caminho para o desempenho ativo e transformador.
A escola deve dialogar com o emergente. Mas essa relação com o exterior, aquela sala de aula sem paredes que Mc Luhan imaginava, ainda deve gerar filtros e aumentar as rupturas cognitivas e culturais com o meio ambiente. Não pode ser uma escola mimetizada com os ritmos da sociedade atual nem com as populações a que atende. Deve gerar um processo de ruptura cultural com as práticas dominantes no mercado e na mídia.
Isso significa gerar outros espaços, outras vezes, outras dinâmicas. Isso envolve colocar estudantes na frente de outras oportunidades de aprendizagem. Isso envolve colocar os estudantes na frente de conhecimentos e práticas que no ambiente social não estão disponíveis.
A escola deve fazer a diferença. Deve produzir um valor acrescentado para o conhecimento que estão disponíveis, ajudar a construir uma posição diferente em relação ao conhecimento e ao mundo, não como um recuo às práticas clássicas do mundo letrado, mas ao colocar essas práticas nos novos contextos e diálogo com elementos emergentes da cultura digital. Nesta construção, conviverão as telas e livros, em uma hibridização criativa, em uma mistura pedagógica que requer inventividade e um projeto intencional. Nesta construção surgirão novos espaços para desenvolver práticas livres e interessantes em relação a objetos de cultura inseridos em bibliotecas, salas de laboratório e experimentação, etc. A construção desses processos envolve adultos competentes e preparados, com uma distância cultural fundada dos fatos de transmissão.
Essa é a base da autoridade pedagógica, de uma assimetria que deve continuar a ser reivindicada. Pode-se recordar, a este respeito, o que Paulo Freire disse sobre a importância de sustentar um professor-lugar, diante da demanda de se tornar colega-tia. O lugar dos professores é abrir portas e colocar sinais.
Embora as instituições, o contexto das redes contemporâneas, tomem formas cada vez mais horizontalizadas, a assimetria baseada no profissionalismo e a referência do adulto não podem ser suprimidas.
No contexto atual, esta não é uma imposição natural. Deve ser trabalhado e construído. O espaço da escola será o lugar da palavra e da imagem, o espaço da simbolização e o icônico, o tempo para pensar sobre as inscrições da cultura, o passado e a memória coletiva, e os diferentes campos do conhecimento que foram constituídos nessa história, para produzir e atender a novas invenções.
A escola aberta para o novo deve gerar alfabetização simultânea nos campos letrados e digitais. Além disso, deve recuperar algumas demandas que foram levantadas com força no século XX: uma relacionada à formação para o trabalho e ao desempenho do cidadão. No primeiro caso com as dificuldades de um mundo em que reina o desemprego em massa. No segundo caso, com os desafios de convivência, coexistência e convivência em diversidade.
Isso envolve regulamentos e acordos. Ele assume leis e flexibilidade. Isso implica uma democracia reflexiva e consciente que é aprendida na vida cotidiana. A este respeito, há muito a pensar sobre as tensões contemporâneas da democracia. No mundo da Internet, de instantaneidade e velocidade, há tendências crescentes para a individualização da referência e para o confinamento privativo. A escola é um dos poucos espaços públicos que são preservados como tal. Essa realização transforma-o em um lugar de exercício e prática cívica e democrática, na ágora. A escola é constituída no espaço que é simultaneamente um lugar para a aprendizagem regulada e para ser e estar em liberdade. Essas reformulações envolvem uma outra reflexão séria do trabalho dos adultos. Isso implica um novo profissionalismo coletivo para o ensino.
A seguinte nota será sobre esses tópicos.